sexta-feira, 1 de maio de 2009

Ao cair da noite, num dia do mês de Outubro, ano de 1967, o meu avô e outro companheiro fizeram-se ao caminho. Nas despedidas, sussurravam-se os choros, não fosse alguma autoridade descobrir e acabar com o sonho.
Com a bolsa às costas, onde levavam algum dinheiro e o farnel, lá partiram a pé.
Chegados a Espanha, encontraram-se com o passador e outros companheiros com quem se reuniram. Pagaram ao passador, que era bastante caro. E partiram.
No decorrer do percurso, eram transportados em furgonetas sempre tapadas, para iludir as autoridades e consequentemente o regime que, na altura, quer em Portugal quer em Espanha, não permitia a emigração. Até à fronteira com a França fizeram várias paragens e mudanças, para alterar rotinas e comportamentos, a fim de que, aos olhos das autoridades, lhes parecesse tudo normal, não levantando suspeitas, para a concretização do sonho.
Nas mudanças, era regra não falar e ser o mais rápido possível. No transbordo, o meu avô, um homem pequeno e fraco, agarrando-se ao taipal da furgoneta, não conseguia subir. Então, o passador, um homem alto e corpulento, pegou-lhe pelas calças e pela gola do casaco e o atirou para a frente, ficando logo aconchegado com os outros e na posição de sentado nos bancos que tinham improvisado para o efeito.
Seguiram-se os Pirenéus. Chegados aí, a travessia era novamente feita a pé, por caminhos íngremes e serpenteados entre as rochas, tendo que seguir todos em fila, também com ordem de não se atrasarem, porque, se se perdessem, não havia volta atrás. Ninguém se arriscava a procurar um homem, pondo em risco muitos outros, porque os horários eram para cumprir e estavam estabelecidos, para se encontrarem todos no outro lado da fronteira, em França, onde já eram esperados.
Chegados a França a aventura continuou. Foram para os arredores de Paris, onde aí já se encontrava uma larga comunidade de portugueses que trabalhavam na construção civil e em fábricas.
Um dos maiores problemas de emigrar era a linguagem. Os pedidos eram feitos apontando com o dedo indicador para os produtos ou objectos que desejavam. No trabalho, havia emigrantes de várias nacionalidades, tornando a compreensão e o relacionamento entre ambos ainda mais difícil.
Ao princípio, foram momentos difíceis, pois tinham que aproveitar o fim-de-semana para fazer compras e lavar a roupa. Mas o dinheiro que se ganhava em França, em relação ao que se ganhava em Portugal, compensava, era muito mais. Dava-lhe já para amealhar alguns tostões e começar a enviar algum para a família, em Portugal.
O meu pai e a minha avó esperavam sempre por boas novas, pedindo e rezando a Deus para que nada de mal lhe acontecesse e que o Natal chegasse depressa, pois era nessa altura que o meu avô vinha de férias, para junto da família.
Na história do meu falecido avô, entre muitas dificuldades, o sonho foi tornando-se realidade: fez uma casinha na aldeia, Penha Garcia, e deu as letras ao filho, o principal motivo da sua saída do país.





João Nabais

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